Vamos considerar que o senhor Luís Inácio Lula da Silva seja
inocente dos crimes que é acusado e até do que já foi condenado. Que tudo não
passa apenas de uma ampla conspiração para tirá-lo do pleito deste ano a fim de
evitar seu retorno à presidência da república, o que é sem dúvida um duro golpe
ao espírito democrático que deve imperar num Estado de direito. Mesmo assim,
negar que a cúpula do Partido dos Trabalhadores (PT), seu partido, não está
envolvida com escândalos e casos já comprovados de corrupção já um exercício
mental digno de uma mente para lá de prodigiosa. Ouso até dizer que Dante
Alinghieri e J.R.R. Tolkien ficariam boquiabertos com tamanha engenhosidade
mental.
Dirigentes do partido já foram condenados por corrupção com
provas, tanto é que não se vê nenhum militante ptista fazendo campanha pelo
José Dirceu alegando que ele foi condenado injustamente ou que até hoje sofre
perseguição política. Muitos outros apresentaram um enriquecimento ilícito, com
direito até a Land Hover na garagem ou mordomo com luva branca. Teve até o
ridículo episódio em que João Paulo Cunha, outrora presidente do Congresso Nacional,
mentiu perante as câmeras de TV ao afirmar que sua esposa foi no BMG (Banco de
Minas Gerais) para pagar uma fatura de TV por assinatura e pouco depois foi
obrigado a dar uma nova versão reconhecendo que se tratava de uma reunião para
conseguir junto ao banco um empréstimo. Mas o pior de tudo, considero eu, não
foi a corrupção desses líderes partidários e nem a hipocrisia deles por fazerem
parte de um partido que prega o discurso da ética e do social e fazem o oposto,
o pior consiste no fato de que nunca foram punidos pelos seus pares, os
“companheiros” de luta. Nenhum deles foi expulso, pelo contrário, tiveram amplo
apoio e “sofreram” apenas um afastamento temporário do PT, sendo reintegrados
depois que a poeira baixou. Isso fica mais grave pelo fato de que a cúpula em
momento algum sofreu alteração, mudaram os nomes, mas não a linha política e
administrativa do partido. Tratamento igual não se viu na expulsão de Heloisa
Helena, Luciana Genro e Babá, militantes que foram punidos por se recusarem a
abandonar as bandeiras do partido, fazendo oposição aos que estavam no poder. Concordando
ideologicamente com eles ou não, é fato que não cometeram crime algum, apenas
foram fiéis aos ideais que aqueles que assumiram o poder abandonaram.
Nos 14 anos de governo Lula-Dilma o que se viu foi todo um
trabalho de articulação para manter o PT no poder. Fez aliança com políticos
espúrios que no passado combateram por anos por representarem o que há de pior
na política, mudaram bandeiras históricas, abriu mão de investigar a admiração
anterior, mesmo tendo a acusada inúmeras vezes de corrupção, com a desculpa de
“olhar para o futuro”, e simplesmente abriu mão dos critérios de filiação para
deixar qualquer um entrar.
Lembro do tempo que para se filiar era preciso participar de
uma causa social, seja por meio de sindicato, ONG, associação, agremiação,
militância política e afins, além de ter que participar ativamente dos
trabalhos legislativo do seu município. Tanto que na minha juventude queria
ingressar no partido do povo devido as causas sociais que ele defendia, mas meu
tempo não me permitia acompanhar as seções da câmara municipal, o que me
desqualificava. Uma vez um “companheiro” até cogitou abrirem uma exceção para
mim devido a minha participação nos atos partidários, mas recebeu um não por
ser um princípio que não podia ser anulado em hipótese alguma, pois do
contrário o partido perderia a sua essência. Enfim, sobre a liderança de José
Genuíno, seu presidente na época, abriu mão dos seus princípios em nome do que
eles chamaram de governabilidade, o que nada mais se demonstrou ser um projeto
de poder permanente, arrecadando contribuições de todos os filiados e
conseguindo justificar a entrada de pessoas que nunca tiveram o perfil do
partido, mas que eram úteis para acordos vantajosos.
A desculpa da governabilidade foi a joia mágica que permitiu
que fosse feito o que sempre foi condenado nos demais partidos. Aloisio
Mercadante chegou a rebater ex-companheiros alegando que “enquanto eles ficaram
no protesto eles foram governar”, dando a entender que na prática a ideia é
outra. Concordo, muitas vezes é necessário repensarmos para que a ideia seja
coerente com a realidade e não tentarmos alterar a realidade para que ela se
enquadre artificialmente nas nossas ideias. Mas até onde é a necessidade de
mudança e quando começa a corrupção de ideias? Uma frase famosa de Che Guevara
e que até já virou clichê é: “É preciso ser duro, mas sem perder a ternura,
jamais...”; eu a interpreto do seguinte modo: temos que nos mantermos sempre na
luta, independente das diversidades e do que temos que fazer, mas nunca podemos
abandonar a nossa essência, os princípios que nos fizeram lutar, pois do
contrário perderemos a nobreza da nossa batalha e daremos espaço aos nossos
interesses mesquinhos, os quais não possuem escrúpulos. Vejo de forma clara e
distinta que foi isso que ocorreu. Lula e seus companheiros da cúpula
partidária simplesmente tinha a ideia de que era preciso assumir o poder para
realizar as mudanças necessária para o bem do povo, mas na luta para ganharem
as eleições e depois se estabelecerem no poder, simplesmente fizeram tantas
concessões que no final restou apenas o mesquinho interesse em se manter no
poder a qualquer custo.
Lula fez suas articulações de forma brilhante, pois é um
autêntico showman. Sempre com um
discurso carregado de sentimentalismo e genuína emoção, deixava claro como um
pastor em culto de cura que era um homem santo na cruzada contra o mal em nome
dos mais humildes. A cena após o fim do seu mandato, dele de sunga com uma
caixa térmica no ombro ao lado da sua esposa de maiô, caminhado juntos para a
praia é digna de um romance épico. Uma cena que sem dúvida emociona por mostrar
que aquele homem continuava a ser uma pessoa comum, do povo, mesmo após ter
alcançado o poder máximo da nação. Infelizmente sua autenticidade ficou apenas
nos seus hábitos, mas não nos seus ideais. Lutou sim pelo social, mas também
atuou em nome dos grandes empresários de forma ilícita, ao ponto de não fazer
um crescimento econômico sustentável e sim um ganho passageiro no qual apenas
alguns se beneficiaram.
Já Dilma não tinha o brilho do seu padrinho. Havia no
princípio a imagem de uma mulher forte e determinada, a de “mandona”, o que
parecia ser ideal para um líder forte, mas o que se viu foi que era apenas
arrogância mesmo. O fisiologismo partidário permitiu a construção de um governo
“Frankenstein”. Ministérios foram criados para abraçar aliados sem perder o que
já era dos seus companheiros. O maior exemplo foi sem dúvida a figura de
Michael Temer na vice-presidência. Político marcado por conchaves para atender
seus interesses e de seus pares, encontrou na ptista uma forma de se manter no
poder uma vez que tivera dificuldade em se eleger deputado federal. Interessava
a ela e a cúpula do seu partido o apoio dele, mas não o de dividir o coxo dos
seus companheiros, daí sempre o relevou a segundo plano. Mesmo assim o cobrou a
mesma fidelidade que nunca teve. A debandada de Temer e seu bando para a
oposição obedeceu a ordem natural das coisas. Não estou aqui a defende-lo,
apenas mostro lucidez com os fatos, vendo a lógica do que ocorreu. Por isso
Temer não deu um golpe, apenas agiu como já era de se esperar, abraçou a
oportunidade que lhe apareceu sem se importar com ética, até pelo fato de que o
velho ditado já dizia: não há ética entre ladrões.
Fora do governo o discurso de que o PT é um baluarte da
ética e da luta social continua. Distribuem o sonho de que com sua volta o
Brasil será melhor. Mas em que afinal será melhor? Ou melhor, para quem será?
A articulação espúria da cúpula ptista com a do PSB (Partido
Socialista Brasileiro), de declararem um “não apoio” nacional entre eles no
primeiro turno teve tanto a intensão de isolar o candidato do PTB (Partido do
Trabalhador Brasileiro) Ciro Gomes nas alianças políticas, como também a de
pretender obriga-lo a migrar para a posição de vice do candidato do PT, no
caso, Lula. Um verdadeiro golpe para se fortalecerem eleitoralmente e terem
chances de voltarem ao poder. O que só prova que seu projeto ainda continua de
pé, estar novamente onde sempre lutou para estar, usufruindo das benesses que
tal posto lhe proporciona, tanto de forma legal como espúria.
Ciro teve a valentia de não ceder, mesmo ciente que suas
chances agora são menores e que ser vice de Lula pode ser mais garantido, se
recusou a cair na armadilha. Já anunciou que continuará com seu objetivo. Está
disposta a cair atirando. Pelo visto ele continuará na sua luta sem perder a
sua ternura, digo, ideais.
Prof. Fábio José