Sem nada para fazer, fico
enérgico no meu sofá cujo o estofado já se tornou um molde de minha bela forma
física. Com meus belos e esverdeados olhos contemplo as teias de aranha no teto
até que em minha mente ocorre um turbilhão de ideias sobre o que li no jornal
que encontrei na lixeira do vizinho e fico a refletir sobre a atitude dos membros
da Comissão de Constituição e Justiça do nosso senado em tornarem lei a união
entre pessoas do mesmo sexo, um ato até banal uma vez que, por decisão da nossa
suprema corte, já ser reconhecido em razão de que nossa sociedade é, pelo menos
por lei, justa, dando a todos os mesmos direitos.
Uma reação raivosa já pode ser
ouvida oriunda do congresso, como a de um bugrino perante um pontepretanto ao
sofrer uma goleada. Em ambos os casos, por mais banal que seja o fato, a reação
é sempre desproporcional e violenta, um ato de impulso selvagem e negação do
racional.
Incrível! O tempo passa e o
intelecto regressa!
Sempre os mesmos e velhos
argumentos. Imutáveis! O que muda é sempre o rosnar, cada vez mais ameaçador,
mostrando os dentes a salivar. Isso quanto já não mordem.
“Não é natural”, bradam! Como se
o ser humano fosse natural. Vivemos num mundo criado por nós, um mundo humano.
Abandonamos a natureza desde que passamos a usar ferramentas para facilitar o
nosso trabalho, superando nossas limitações animais. Um cachorro não faz escola
para ser cachorro, mas nós sim. Temos que passar por um processo educacional
para formarmos o nosso ser, nos tornarmos humanos. Um cachorro também não tem
sonhos, não fica a pensar se quer ser um cão de guarda ou um cachorro de
madame, mas nós sim, sonhamos e nos preocupamos com o que seremos no futuro. Um
cachorro deita e dorme, já nós construímos casa e a arrumamos do nosso jeito,
cheia de significados. Um cachorro não se preocupa se seu pelo está bem
aparado, se precisa passar condicionador ou com que roupa sairá, porém nós
gastamos dinheiro com cabeleireiro, gel, shampoo e perdemos horas decidindo como
queremos o nosso cabelo e com que roupa iremos sair. Um cachorro late e nós
desenvolvemos a fala e como ela compomos poemas, músicas e óperas, escrevemos
livros, cartas de amor, cobrança e nos comunicamos de forma complexa. Logo, o
que é natural em nós? Vivemos num mundo não natural, em um que nós criamos e o
qual moldamos e somos moldados.
Além do mais, o que é mais
natural do que um animal selvagem vivendo no seu meio ambiente, livre a
interferência do ser humano? Pois é, mesmo nessa situação há animais que
praticam sexo entre seu semelhante sexual, transam com um outro da sua espécie
e do mesmo sexo. Chocante? Não! Natural. Tio Google está aí para quem desejar
confirmar.
“Mas nós não somos animais, somos
racionais! ” Errado e certo. Errado por nós sermos animais, pois pertencemos ao
reino animal e não dos vegetais e nem dos minerais. Certo por sermos racionais,
embora alguns parecem negar tal fato. Afinal, o que há de racional em sentir
atração por alguém? Não escolhemos por quem nos apaixonar, simplesmente
acontece. Buft! Num simples olhar e lá estamos nós, babando por alguém, nossa
alma gêmea, a metade da laranja, a razão de viver. Daí se junta o bonito com o
feio, o novo com o velho, o gordo com o magro, o delicado com o bronco. Só não
o rico com o pobre, neste caso tal fenômeno só ocorre quando a parte rica é
oposta a pobre, sendo ela sempre a feia, velha, gorda e bronca. O se apaixonar
é espontâneo, assim como o ato sexual é prazeroso. O que há de racional em
virar os olhos, morder os lábios e gemer? Fazemos por prazer, é um ato que
exige os nossos sentidos e não a nossa razão.
“Dois iguais não se reproduzem! ”
Verdade, mas podem adotar aquilo que dois diferentes geraram e dispensaram.
Considerando tal argumento como válido, temos que aplica-lo como regra geral, o
que significa que todos aqueles que se unem ou apenas trazem devem se
reproduzir. Logo, não podemos aceitar que dois diferentes se casem ou vão morar
juntos se não forem ter filhos. Assim, temos que submeter os seres apaixonados
e diferentes a um teste de fertilidade antes de juntarem os trapos. Não adianta
ficar duro ou úmido se a semente é seca. Há também a questão dos preservativos,
se o sexo é para fim reprodutivo, eles não deveriam ser considerados um crime e
proibidos?
Fazemos sexo pelo prazer, pelo
fato de ser gostoso, a reprodução é uma consequência. Logo, não há um argumento
que sustente que o fato de dois iguais não se reproduzirem como um impedimento
de se unirem.
“Nascemos homem ou mulher, se
fosse para sermos diferentes haveria outra opção”! Opção? Então temos a capacidade de
escolhermos o que queremos ser, como fica se um homem escolhe ser mulher e
vice-versa? Nesse caso não pode haver opção? Que raios de opção é essa em que
só podemos escolher o que nos é imposto? Parece uma lógica de mãe, que manda a
gente escolher entre duas roupas que ele escolheu ou entre uma surra e a
obediência plena. Não é uma questão de escolha e sim de ser o que é, seguir
seus instintos e desejos.
“Nascemos homem ou mulher e
devemos ser o que nascemos para ser”! Na verdade não nascemos homem ou mulher,
nascemos macho ou fêmea, seres definidos pela biologia. Ser homem ou ser mulher
são ideias construídas por nós. O que é natural é imutável por si só na sua
essência, já a ideia, por ser fruto do ser humano, muda, é moldada de acordo
com o meio ambiente e se transforma com o tempo. Quem nunca escutou alguém mais
velho dizer: no meu tempo isso não era coisa de homem!; No meu tempo mulher não
fazia essas coisas! Tem cabelo cumprido, é homem ou mulher? Faz as unhas, é
homem ou mulher? Chora, é romântico, é homem ou mulher?
A ideia é construída por nós,
reproduzimos o que vemos e seguimos a doutrinação que temos na infância, aquela
que nos faz entrar numa loja de brinquedos e ver que há próprios para as
meninas e meninos. Em geral para as meninas os brinquedos remetem aos cuidados
da casa (eletrodomésticos), da família (bebes que comem, mamam e que temos que
trocar a frauda) ou consigo mesma, no sentido de que sempre devem estar bonitas
para o homem (e lá estão as Barbie e Polly). Quando vamos comprar para um
menino já é diferente, tem a nossa disposição brinquedos que remetem a força
(esporte, como bola), bélico (armas), riqueza e ostentação (carrinhos). A
criança passa toda infância a brincar de forma orientada, então não é novidade
que ela passe a reproduzir isso quando adulta e até mesmo considerar normal,
não por ser, mas sim por estar acostumada.
Sim, pode contestar o que digo.
Não há problema. O pensar se constrói no diálogo, mesmo quando estamos sozinhos
conversamos conosco mesmo. Mas antes se dedique a pensar num bebezinho, antes
de aprender a brincar de forma orientada. Ele vai brincar com qualquer coisa,
os meus brincaram com latas de conserva, panelas, controle remoto, cabo de
vassoura e qualquer objeto que lhe chamasse atenção. Um menino pode sim brincar
com uma boneca e vai, a menos que você retire da sua mão dizendo “menino não
brinca de boneca”. Pensou sobre isso? Agora pense: o que é ser homem? O que é
ser mulher? Caso consiga criar uma definição, compare-a com a de outra pessoa e
venha me contar se chegou a uma definição válida.
“Deus condena o homossexual”. Na verdade a condenação é contra o
homossexualismo, a prática e não contra a pessoa. Mas não importa, a questão é
que se trata de uma visão que se fecha numa determinada crença. Logo, como fica
quem não a segue? Quem não crê nela? As religiões exigem crenças e estas são
pessoais, só valem para o indivíduo que crê. Como então impor algo particular
de uma pessoa para a outra? É o mesmo que eu amar minha mãe e impor para alguém
que também a ame. Para mim tem significado, para o outro não faz o menor
sentido.
Sem contarmos que a crença cristã
tem mais ramificações que um velho pinheiro, com cada uma dizendo que está
certo. Como nos basear em algo tão incoerente e particular para criarmos uma
regra universal para a sociedade?
Cada um deve seguir firme na sua
crença, se ela condena a relação entre pessoas do mesmo sexo, um conselho do
tio aqui, não faça sexo com quem tem o mesmo sexo que você! Pregar que é
contra? Claro que pode, vivemos numa democracia! Agora, querer se meter na
virada de olhos do vizinho já demais.
“Com a aprovação do casamento gay
as igrejas serão obrigadas a aceitarem, pois podem ser acusadas de
discriminação” KKKKKKKKKKK!!! Quanta asneira! No Brasil a liberdade de culto é garantida
na nossa Magna Carta. Você não é obrigado a se ajoelhar para esse ou aquele
deus, a ter essa ou aquela crença. Uma pessoa que vai numa igreja que não
permite a união entre pessoas do mesmo sexo, não pode exigir que ela realize tal
união. As religiões são constituídas de pessoas, as quais tem liberdade de
culto, logo, cada religião tem liberdade de formar a sua crença. Quando você
escolhe uma tem que ver as regras primeiro e procurar a que melhor lhe agrada.
“É coisa da minoria gay”! E daí
que se trata de uma minoria? Por acaso vivemos numa ditadura da maioria? Por
acaso onde há uma maioria de mulheres o homem deve urinar sentado? Democracia é
respeitar o diferente. Não se trata de impor a vontade de poucos sobre os
demais. Isso é uma tremenda falácia. Com a união homoafetiva ninguém será
obrigado a se casar com outra do mesmo sexo. Também não haverá o risco de
alguém terminar o casamento hétero para
se casar num homoafetivo. Com ou sem lei pessoas do mesmo sexo transam, namoram
e moram juntas, não é por haver o reconhecimento legal que teremos vários
arrependidos por aí.
“Vão querer adotar e a criança
ficará confusa e passará por constrangimento”. Olhemos a nossa volta. Que família
contemplamos? Hoje as famílias são formadas por pessoas divorciadas que se
casam novamente, de filhos que são criados por padrasto ou madrasta, irmãos de
pai ou mão diferente, mãe ou pais solteiros, netos cuja a avó ou o avô são referência
de paternidade. Isso quando não há o abandono ou o desprezo em casa.
O que realmente importa para uma
família é o amor ou a aparência? Muitos casos de pedofilia são praticados por
um pai com seu filho ou filha. Por qual razão então não demonizamos essa
estrutura familiar? Não fazemos por ser exceção e não regra. Todos sabemos e
concordamos que numa família deve imperar o amor fraterno entre seus membros e
por qual razão homossexuais não são capazes disto?
Fico a ver muitos alunos que
precisam de um acompanhamento psicológico por problemas familiares e imagino
quantos me passam desapercebidos. Mas para algumas pessoas apenas um filho de
um homossexual precisará disso.
Quanto ao constrangimento, bullying ocorre a muito tempo de
várias formas e sobre os mais diversos motivos, daí a necessidade de um
trabalho educacional e de conscientização.
Enfim, na minha opinião cada um
deve ser feliz como é! Seguir seus desejos, buscar sua plenitude sem se
importar em ser o que o outro deseja que seja.
Não podemos impor nossa vontade para outro, já
que não queremos e nem aceitaremos que o outro faça o mesmo conosco.
Cada um que cuide do próprio rabo!
Prof. Fábio José