terça-feira, 21 de novembro de 2017

Escola sem partido? NÃO!


Vejo muita gente defendendo pelas redes sociais o projeto “escola sem partido”. Atuam como bravos heróis que visam salvar a pátria coibindo a atuação de professores antiéticos e nefastos.

Não sei se a cada dia adeptos dessa ideia se espalham ou se apenas a propaganda se torna cada vez mais agressiva, dando uma falsa percepção de que há um crescimento da sua aceitação. Mas sei que ela ganha cada vez mais a realidade, com projetos aprovados em câmeras municipais e prefeituras sancionando na lei orgânica do município. Pior, a proposta chegou ao Senado Federal a fim de ser incorporação nas diretrizes educacionais do país.

Como educador sou contra a ideia de escola sem partido e, sinceramente, não consigo acreditar que alguém que também seja profissional da educação esteja de acordo com tão esdrúxula ideia. Porém, devemos considerar que há péssimos profissionais nas mais diversas áreas. Mesmo assim, ainda não vi nenhum educador puxar a cordinha dessa ideia, apenas pessoas que em nada se relacionam à área da educação.

Minha rejeição se baseia no fato de que o Escola Sem Partido se funda na ideia de que os professores são considerados corruptores das crianças e da juventude, que manipulam seus alunos para seguirem ideias “pervertidas”, como ideologia marxista, justiça social, direitos humanos e tudo o mais que seus adeptos consideram maléfico à pátria. Os argumentos são meramente falaciosos, pois apelam a um sentimentalismo de que é preciso travar uma luta do bem contra o mal a fim de proteger as criancinhas, no melhor embate maniqueísta estilo Disney, e sintetizam no professor a causa de todos os males sociais.

Basta uma simples reflexão para verificar o tão frágil é a sustentação dessa ideia.

Aluno inocente
Alegar que o aluno é facilmente influenciado por um professor é simplesmente vitimá-lo, o tratar como um imbecil. Ele tem sim capacidade de pensar por si só, afinal, é um ser racional, dotado naturalmente de inteligência, capaz de pensar e repensar as ideias. Mesmo que possa ser influenciado num primeiro momento, é capaz de refutá-las se considerar que estão erradas. Caso aceite, pode ser pelo simples fato de que concorda com elas, sem manipulação. Que mal há nisso? Há só uma visão da realidade?

Qualquer educador que já abordou um tema que exigia reflexão e argumentação presenciou os alunos se posicionarem de forma diferente de acordo com suas crenças. Muitas vezes são desprovidos de argumentos, mas não de convicções.

Professores doutrinadores
Considerar que um professor possui uma grande capacidade de manipular um aluno é negar o fato de que a cada dia cresce o desrespeito em sala de aula contra os educadores. Muitas vezes são até agredidos fisicamente.

Também temos que levar em conta que não teríamos os governantes que temos se os professores conseguissem manipular tanto assim as pessoas. Só no estado de São Paulo somos governados por um mesmo partido que sufoca a educação a mais de 20 anos.

Outra realidade é que a cada fim de bimestre os professores brigam constantemente com seus alunos para entregarem os trabalhos escolares. Cadê o poder de manipulação se não conseguem nem convencer a entregarem um reles trabalho para terem nota?

Educação marxista
Erroneamente há um entendimento de que Paulo Freire, um dos maiores educadores do mundo, é um marxista que embuti na sua proposta educacional esta ideologia. Porém, o que seus ferozes acusadores desconhecem é que sua pedagogia se funda na ideia de contemporizar o ensino, trazendo-o para a realidade do aluno. Dessa forma, se alfabetiza uma criança de uma comunidade rural ensinando-a a escrever coisas relacionadas ao seu mundo, como terra, semear, enxada etc.; no que isto transmite uma ideologia? Mesmo assim há até o absurdo de querer retirar o título de patrono da educação do Brasil dele. E qual a razão disso tudo? Pelo simples fato de o considerarem marxista. Mal sabem que pouco se usa dele na educação tupiniquim.

Assim como ocorre com Paulo freire, o reles professor também é acusado de propagandear o marxismo quando simplesmente fala dos problemas sociais, como a desigualdade social que nos assola. É simplesmente acusado de fazer mi-mi-mi para pobre, o qual é entendido como um vagabundo que só quer “mamar nas tetas do governo” e não fruto de uma falta de política pública que garanta a igualdade.

Mas esperar o que de pessoas que nem podem ouvir falar de direitos humanos, socialização ou confraternização que já pesam ser “coisa de comunista”?

Propagar ideologia de gênero
Primeiramente temos que entender que não existe “ideologia de gênero” e sim uma ideologia que prega a existência de uma ideologia de gênero. É simplesmente uma acusação sobre algo que não existe. Sua acusação se baseia em supor que grupos tentam destruir a tradicional família ao querer impor que temos que deixar as crianças decidirem se querem ser homem ou mulher e que a união homo afetiva é simplesmente uma aberração.

Simone de Beauvoir, a “megera sapatona que prega a ideologia de gênero”, nada mais disse no seu livro “segundo sexo” que a mulher não nasce mulher e sim se torna mulher, o que pretendia dizer não era negar um fato biológico, no qual se nasce macho ou fêmea, e sim questionar a ideia que a sociedade tem sobre o que é ser mulher. Essa é vista como um ser frágil que deve ser submetida ao homem. Ideia reforçada por vários fatores, como brinquedos que a condiciona a ser unicamente responsável pela casa e filhos. A proposta da filosofa era de questionar este papel social, mostrando que a mulher tem condição de igualdade na sociedade com o homem, para isto basta não mais impormos a ela tal ideia de submissão. Para tanto, prega ela que a educação deve ser voltada a igualdade social dos gêneros, eliminando os estereótipos discriminatórios de mulher frágil que deve ser recatada e do lar, enquanto o homem deve ser o machão dominante.
Dentro dessa visão distorcida do que seja a questão do gênero proposta por Beauvoir, não toleram nem que se fale em respeito a quem é homossexual. Consideram isso um ataque a tradicional família cristã. Desde quando o respeito ao próximo é um clichê?

Educação parcial
Pelo entendimento dos defensores do Escola Sem Partido há uma parcialidade na educação, o que fere a democracia. Realmente José Simão está certo, o Brasil é o país da piada pronta, afinal, se não há pluralidade de ideias não há democracia e sim ditadura.

Desejam que o professor simplesmente seja um mero transmissor de informação, que passe ao aluno a matéria em si, sem contextualizá-la fora da sua área, batendo de frente com as modernas propostas educacionais. Num mundo em que o virtual está cada vez mais presente com links e acesso instantâneo a informações é simplesmente um retrocesso.

O ensino escolar não contextualizado acarreta prejuízos aos futuros cidadãos que não conseguem relacionar os conteúdos didáticos com a realidade em que vivem. O que é ensinado descontextualizado simplesmente não traduz a realidade em que vive. Muitas vezes, isso é motivo de abandono escolar, pois os alunos não se sentem atraídos pelos assuntos discutidos no ambiente educacional.


Logo, a ideia de uma escola imparcial é a ideia de uma escola nada atraente ao aluno, em que o exercício da reflexão e do pensamento crítico e autônomo não encontram espaço. 

Prof. Fábio José

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