Vejo muita gente defendendo pelas
redes sociais o projeto “escola sem partido”. Atuam como bravos heróis que
visam salvar a pátria coibindo a atuação de professores antiéticos e nefastos.
Não sei se a cada dia adeptos
dessa ideia se espalham ou se apenas a propaganda se torna cada vez mais
agressiva, dando uma falsa percepção de que há um crescimento da sua aceitação.
Mas sei que ela ganha cada vez mais a realidade, com projetos aprovados em
câmeras municipais e prefeituras sancionando na lei orgânica do município.
Pior, a proposta chegou ao Senado Federal a fim de ser incorporação nas
diretrizes educacionais do país.
Como educador sou contra a ideia
de escola sem partido e, sinceramente, não consigo acreditar que alguém que também
seja profissional da educação esteja de acordo com tão esdrúxula ideia. Porém,
devemos considerar que há péssimos profissionais nas mais diversas áreas. Mesmo
assim, ainda não vi nenhum educador puxar a cordinha dessa ideia, apenas
pessoas que em nada se relacionam à área da educação.
Minha rejeição se baseia no fato
de que o Escola Sem Partido se funda na ideia de que os professores são
considerados corruptores das crianças e da juventude, que manipulam seus alunos
para seguirem ideias “pervertidas”, como ideologia marxista, justiça social,
direitos humanos e tudo o mais que seus adeptos consideram maléfico à pátria.
Os argumentos são meramente falaciosos, pois apelam a um sentimentalismo de que
é preciso travar uma luta do bem contra o mal a fim de proteger as criancinhas,
no melhor embate maniqueísta estilo Disney, e sintetizam no professor a causa
de todos os males sociais.
Basta uma simples reflexão para
verificar o tão frágil é a sustentação dessa ideia.
Aluno inocente
Alegar que o aluno é facilmente
influenciado por um professor é simplesmente vitimá-lo, o tratar como um
imbecil. Ele tem sim capacidade de pensar por si só, afinal, é um ser racional,
dotado naturalmente de inteligência, capaz de pensar e repensar as ideias.
Mesmo que possa ser influenciado num primeiro momento, é capaz de refutá-las se
considerar que estão erradas. Caso aceite, pode ser pelo simples fato de que
concorda com elas, sem manipulação. Que mal há nisso? Há só uma visão da
realidade?
Qualquer educador que já abordou
um tema que exigia reflexão e argumentação presenciou os alunos se posicionarem
de forma diferente de acordo com suas crenças. Muitas vezes são desprovidos de
argumentos, mas não de convicções.
Professores doutrinadores
Considerar que um professor
possui uma grande capacidade de manipular um aluno é negar o fato de que a cada
dia cresce o desrespeito em sala de aula contra os educadores. Muitas vezes são
até agredidos fisicamente.
Também temos que levar em conta
que não teríamos os governantes que temos se os professores conseguissem
manipular tanto assim as pessoas. Só no estado de São Paulo somos governados
por um mesmo partido que sufoca a educação a mais de 20 anos.
Outra realidade é que a cada fim
de bimestre os professores brigam constantemente com seus alunos para
entregarem os trabalhos escolares. Cadê o poder de manipulação se não conseguem
nem convencer a entregarem um reles trabalho para terem nota?
Educação marxista
Erroneamente há um entendimento
de que Paulo Freire, um dos maiores educadores do mundo, é um marxista que embuti
na sua proposta educacional esta ideologia. Porém, o que seus ferozes
acusadores desconhecem é que sua pedagogia se funda na ideia de contemporizar o
ensino, trazendo-o para a realidade do aluno. Dessa forma, se alfabetiza uma
criança de uma comunidade rural ensinando-a a escrever coisas relacionadas ao
seu mundo, como terra, semear, enxada etc.; no que isto transmite uma
ideologia? Mesmo assim há até o absurdo de querer retirar o título de patrono
da educação do Brasil dele. E qual a razão disso tudo? Pelo simples fato de o
considerarem marxista. Mal sabem que pouco se usa dele na educação tupiniquim.
Assim como ocorre com Paulo
freire, o reles professor também é acusado de propagandear o marxismo quando
simplesmente fala dos problemas sociais, como a desigualdade social que nos
assola. É simplesmente acusado de fazer mi-mi-mi para pobre, o qual é entendido
como um vagabundo que só quer “mamar nas tetas do governo” e não fruto de uma
falta de política pública que garanta a igualdade.
Mas esperar o que de pessoas que nem podem
ouvir falar de direitos humanos, socialização ou confraternização que já pesam
ser “coisa de comunista”?
Propagar ideologia de gênero
Primeiramente temos que entender
que não existe “ideologia de gênero” e sim uma ideologia que prega a existência
de uma ideologia de gênero. É simplesmente uma acusação sobre algo que não
existe. Sua acusação se baseia em supor que grupos tentam destruir a
tradicional família ao querer impor que temos que deixar as crianças decidirem
se querem ser homem ou mulher e que a união homo afetiva é simplesmente uma
aberração.
Simone de Beauvoir, a “megera
sapatona que prega a ideologia de gênero”, nada mais disse no seu livro “segundo sexo” que a mulher não nasce mulher e sim se torna mulher, o que
pretendia dizer não era negar um fato biológico, no qual se nasce macho ou
fêmea, e sim questionar a ideia que a sociedade tem sobre o que é ser mulher.
Essa é vista como um ser frágil que deve ser submetida ao homem. Ideia
reforçada por vários fatores, como brinquedos que a condiciona a ser unicamente
responsável pela casa e filhos. A proposta da filosofa era de questionar este
papel social, mostrando que a mulher tem condição de igualdade na sociedade com
o homem, para isto basta não mais impormos a ela tal ideia de submissão. Para
tanto, prega ela que a educação deve ser voltada a igualdade social dos
gêneros, eliminando os estereótipos discriminatórios de mulher frágil que deve
ser recatada e do lar, enquanto o homem deve ser o machão dominante.
Dentro dessa visão distorcida do
que seja a questão do gênero proposta por Beauvoir, não toleram nem que se fale
em respeito a quem é homossexual. Consideram isso um ataque a tradicional
família cristã. Desde quando o respeito ao próximo é um clichê?
Educação parcial
Pelo entendimento dos defensores
do Escola Sem Partido há uma parcialidade na educação, o que fere a democracia.
Realmente José Simão está certo, o Brasil é o país da piada pronta, afinal, se
não há pluralidade de ideias não há democracia e sim ditadura.
Desejam que o professor
simplesmente seja um mero transmissor de informação, que passe ao aluno a
matéria em si, sem contextualizá-la fora da sua área, batendo de frente com as
modernas propostas educacionais. Num mundo em que o virtual está cada vez mais
presente com links e acesso instantâneo a informações é simplesmente um
retrocesso.
O ensino escolar não
contextualizado acarreta prejuízos aos futuros cidadãos que não conseguem relacionar
os conteúdos didáticos com a realidade em que vivem. O que é ensinado
descontextualizado simplesmente não traduz a realidade em que vive. Muitas
vezes, isso é motivo de abandono escolar, pois os alunos não se sentem atraídos
pelos assuntos discutidos no ambiente educacional.
Logo, a ideia de uma escola
imparcial é a ideia de uma escola nada atraente ao aluno, em que o exercício da
reflexão e do pensamento crítico e autônomo não encontram espaço.
Prof. Fábio José
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